Tuesday, January 23, 2007

Contra Lacan (só para registro)


Escrevi o texto anterior menos para me anunciar minha conversão ao lacanismo do que para desabafar. Desabafar um certo desespero, uma certa angústia, uma certa depressão inerente à fase (no sentido psicopatológico do termo) que estou passando; desabafar uma opinião acerca da verdade sobre nós mesmos e sua relação com as fantasias que criamos.

Entretanto percebi, muito mais pela perspicácia dos comentários que fizeram do que pelo conteúdo do texto, que ele tinha de certa forma a ver com as coisas que gostaria de pensar daqui pra frente. Então gostaria de aproveitar os comentários para registrar aqui algumas opiniões para que eu possa retornar a elas mais na frente.

Hoje em dia o tema da natureza humana, ou seja, da "verdade" sobre nós mesmos se define um pouco nos termos das relações que temos com os outros, ou com o Outro. No entanto este Outro, que aí escrevemos com maiúscula, não tem nada a ver com o outro do Lacan. Segundo Levinas tem mais a ver com o Deus de Descartes.

A idéia é complicada e detalhá-la seria maçante. Então resumamos o que interessa: o outro é uma idéia sem ideatum. Em termos mais psis, o outro é aquilo - ou aquele - que resiste ao nosso impulso destrutivo e que, portanto, não podemos determinar absolutamente. Diante de seu corpo - que está lá, contemplamos seus gestos - que não sabemos de onde vêm; diante de seu ser - que nos interessa, fascinamo-nos por seu desejo - que parece se interessar por nós.

Para nos tornamos o que somos, a saber, Eus, destruímos os objetos. Porém, alguns objetos de nossa experiência sobrevivem; e estabelecemos com eles uma relação mágica, amorosa, saímos de nossa realidade quando estamos na sua presença.

Aqueles que destruímos, fazemos deles objetos, dejetos, corpos mortos, inertes, sem sentido. Objetos lacanianos!

Aqueles que sobrevivem, fazemos deles almas, ânimas, belos, vivos; e pagamos o preço de nos desfazer, a nós mesmos, para dar-lhes vida. É neles que encontramos Deus. São eles também que consideramos humanos.

Agora retornemos aos comentários:

Tem razão Beatriz, é o negócio do desejo do desejo do outro que atrapalha (além da mardita cachaça, é claro!). É aí que os perdemos. Quando casamos, fazemos de uma namorada, uma esposa. Intermediamos a relação mágica que temos com nosso amor, pela instituição que pretende regular o desejo do outro. Em outras palavras, destruímos sua magia, sua vida, substituindo-as por regras. Regras através das quais, em última instância, nos damos o direito de considerá-lo nosso. Lógico que isso não se refere a todo casamento, no sentido real em que as pessoas se casam por aí. Mas àquilo que ele se torna quando se pretende institucional.

Neste sentido, Érika, me parece que felicidade e instituição são contraditórios. A instituição, o casamento no exemplo anterior, é a morte do outro. Do outro neste sentido mágico que nos faz feliz, que nos põe a fantasiar. Permanecemos na tristeza do Euzinho dando nomes aos nossos amores.

Não sei se este é o sentido da sua pergunta, mas não lhe parece isso? Não sei se é possível ficar absolutamente sozinho, mas concordo com o Tom (Jobim) que é impossível ser feliz sozinho. Pois, quando colocamos instituições entre nós e os outros, ficamos... sós. Perdemos o compromisso de nos enamorarmos a cada vez, posto que ganhamos a segurança de que o outro deve estar lá aonde a lei institucional determinou!

Já idéia de vazio no sentido lacaniano é mesmo impossível, mas não decorre-se disto, como pretende Lacan, que a experiência seja impossível. O fato de que nossa verdade coincide, de certo modo, com uma fratura, não que dizer que não somos nada ou que o outro não é nada. Acho que talvez possamos pensar, por mais que isso pareça estranho, que somos completos na nossa parcialidade.

Não sei se podemos considerar isso oriental, nem se podemos nos orientalizar. Se eles são melhores do que a gente, não implica necessariamente que possamos importar seus ensinamentos e aplicá-los ao nosso modo de ser. Não seria o contrário? Não é nossa a responsabilidade de criar respostas para os problemas que nós inventamos?

De qualquer forma, concordo com a idéia de que às vezes vivemos nossa incompletude com euforia e que, às vezes, damos a ela o nome de depressão. Mas o fato de que isso seja um nome não exclui o outro fato, presente e real, de que por muitos momentos estamos efetivamente tristes.

É isso, valeu o comentário de vocês, e espero que vocês nem leiam estas respostas, pois odeio aborrecer os outros. Mais interessante é fantasiá-los!

Prometo parar de filosofar sobre estas questões "profundas" e inúteis nos próximos textos. Até porque já sinto indícios do retorno da fase maníaca!

5 Comments:

At 8:22 PM, Anonymous Anonymous said...

Estou sem o Word. Li mas não consigo destrinchar.

De qualquer forma, gostei da poética.

Há tristeza efetivamente, sem dúvida (por hora, é a única coisa que deu para responder).

E: não se institucionaliza a felicidade. Precisa-se desacoplar-se do que está posto.

Reiventarmos formas de ser, de estar e de sofrer (orientemo-nos).

(mas há resposta para tanto?
A Verdade está em Deus - mas a Beatriz vai me chamar de carola logo, logo).

Viva a sua fase maníaca.

 
At 9:42 PM, Blogger Robby said...

Desculpe pelo oriental. É que estou tão cercado de amigo zens, que o "significante" é interpretado imediatamente neste sentido. A resposta é quase que automática! Se não vale pra vc, vale pra eles que certamente vão reconhecer a repetição do meu discurso!

 
At 2:19 PM, Blogger Gisele said...

A Érika continua carola... rsrs.
Bem, Roberto, eu não sei não, mas uma instituição, ao limitar, assegura. Impõe um fechamento relativamente duradouro à nossa mania pelo outro, ao mesmo tempo em que nos devolve a certeza de que o outro também deseja esse limite e essa duração. Ao menos para mim, há poucas coisas mais angustiantes que desejar coisas sem um horizonte definido (mas sou um tipo de caráter inseguro, é claro!).
Fico feliz em saber que meus amigos estão se tornando amigos. E gozado, todo mundo está deprê. Não fique triste. Esperança é bom.
que legal que vc goste de Lost Highway, adoro esse filme!
bj
obs: e sobre o Schnaiderman... é incrível que alguns amigos meus ainda se achem eruditos depois dessa! Bah!

 
At 9:17 AM, Anonymous Anonymous said...

"De qualquer forma, concordo com a idéia de que às vezes vivemos nossa incompletude com euforia e que, às vezes, damos a ela o nome de depressão. Mas o fato de que isso seja um nome não exclui o outro fato, presente e real, de que por muitos momentos estamos efetivamente tristes"

Amei isso Roberto, muito 10!

To lendo....

hehhehehehe

sera q vc lerá isso quando, hein?!

Clau

 
At 12:19 AM, Blogger Nih said...

Chaaato!!!!
Deixou comentários a apagou?

[:P]

Eu dei uma lida por aqui...Depois eu juro que comento!

 

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