Saturday, December 30, 2006

Um dia... de Nietzsche em Perdizes



Beatriz, minha mais nova musa inspiradora, me contou, outro dia, uma destas cenas que ela costuma observar em Perdizes, quando ela está passeando, assim, como se fosse um personagem de Manuel Carlos pelas "alamedas" do Leblon.

Estava ela passando em frente a uma confeitaria do Bairro e quando entrou para degustar seu indispensável Quiche de Alho Porró e Gruyère, observou um animado bate papo que acontecia na mesinha ao lado...

Ela me contou que se tratava de uma conversa entre um casal de personagens meio estranhos - destes que fazem parte das cenas atropologicamente interessantes que observamos em São Paulo: o homem beirava os 40 anos, portava um bigodão semelhante ao do Jamie 'Mythbuster' Hyneman e fazia o tipo filósofo; a menina tinha em torno de seus vinte poucos anos, uma bela face que expressava num mesmo golpe pureza e crueldade.

Ele apresentava no discurso sinais de uma loucura que se insinuava em meio aos seus já bem estranhos pensamentos e ela, embora jovem, parecia ser bem sabida em assuntos de psicologia.

Beatriz não sabe muito bem como o assunto começou, mas de onde ela pegou parecia que eles tratavam do tema da relação entre vivência e juízo, tema que parecia obcecar a jovem...

dizia o Filósofo: proferir juízos é a nossa crença mais antiga, o nosso mais costumeiro tomar-por-verdadeiro ou tomar-por-não-verdadeiro. Uma crença de que aqui realmente se 'conheceu' - em todos os juízos acredita-se ser verdadeiro o 'QUÊ'...

retrucava a menina: Então meu (aqui Beatriz percebeu que a menina era do tipo Uspiana admiradora de Marilena Chauí- uspianas admiradoras de Marilena sempre começam toda frase por 'então meu') é assim que eu penso... acho que aqui concordamos absolutamente... o princípio da vivência é sempre a possibilidade de comunicação, de interação pela linguagem. É que na linguagem podemos sempre compreender os objetos de nossa vivência. Lidar com o mundo é sempre contar para nós mesmos, como se contássemos a outro, o que estamos experimentando. Assim sabemos onde situar Borges quando o lemos, por relação a Garcia Marques, por exemplo. Há algum tempo pretendi situar Bukowski entre os dois, mas acho que não concordaria mais com isso... este último é um bosta!

Filósofo: Não é nada disso que eu falei!

Menina: Então meu, como assim? Viver não é atribuir predicados às nossas vivências?

Filósofo: O que são predicados? Atribuímos predicados quando não tomamos modificações em nós como tais, como vivências em nós, mas como um 'enquanto tal, em-si e por si' que é estranho a nós, que nós apenas 'constatamos', 'verificamos': quando nós não as postulamos como um acontecer, mas como um ser, como 'propriedade' - e a isso aditamos uma essência inventada, à qual elas se grudam, ou seja, nós colocamos o efeito como agente e o agente como ente...

Menina: ...então... efeito como agente e o agente como ente...acho que o sr. está ficando com febre...

Filósofo: Veja: se dizemos 'o sol brilha' - brilhar é um estado em nós; mas nós não o assumimos em nós e dizemos: 'algo brilhante, algo que brilha' como se houvesse um 'em-si, enquanto tal' e daí procuramos para isso um agente causador, o 'raio'. Postular o acontecer como um agir: e o efeito como ser, esse é o duplo erro, ou a interpretação de que nós nos tornamos culpados.

Menina: Então meu, me desculpa, mas é culpado aquele que não julga. Por isso é julgado e deve ser condenado! É culpado aquele que não sabe reconhecer em si e nos outros a responsabilidade pelas ações que cometem. Aquele que não pode pôr o mundo em sua devida ordem...

Filósofo: Assim não dá pra conversar. Você está sempre julgando de saída... não vê que fazemos as coisas sem pensar!

Menina: É às vezes faço coisas sem pensar...

Filósofo: Ás vezes?!?!?!?

Menina: É porque na maioria delas, sempre é preciso julgar, é preciso saber o que é bom e o que é mau, mesmo que seja pra optar pelo segundo...

Filósofo: Abra os olhos, o sol ainda brilha, ainda não se pôs, e você já quer saber sobre o bem, o mal...

Menina: Então meu, quer dizer que o sol brilha? Un-hum! Em que mundo o senhor vive? Parece ser colorido como a alvorada do sonho de um homem ridículo... não percebe para onde sempre vai o destino? Veja, o senhor parece ser bem inteligente, mas minha orientadora não o aprovaria sequer em um teste psicométrico. E ela tem me cobrado uma tese de doutorado, portanto não tenho mais tempo para ficar aqui viajando nestes exemplos. Foi muito interessante conhecê-lo, mas tenho compromissos mais sérios, talvez um dia...

Filósofo: um dia...

A menina foi embora, Beatriz se aproximou do homem e eles tiveram uma intensa conversa. Mas o conteúdo deste papo ela não quis me revelar. Quem sabe um dia...

7 Comments:

At 3:52 PM, Blogger Gisele said...

Então,meu... ESSE FOI UM RETRATO TERRIVELMENTE CRUEL! Ver meus maneirismos assim... sem que eu pudesse controlá-los, me deixou com enxaqueca e um pouco de incontinência.
é claro, já estou julgando o que falou.
Mas vou ler direito ainda... tu me pagas, nietzscheano...
Bj

 
At 3:29 PM, Anonymous Anonymous said...

cara..o meu...
Acho que está nascendo um bom escritor....vamos aguardar...beijones....

 
At 1:47 AM, Anonymous Anonymous said...

Salve Roberto, descobri seu blog por puro acaso.

Agora, não queira que eu acredite que uma mulher disse a você que existia no mundo uma: "menina [que] tinha em torno de seus vinte poucos anos, uma bela face que expressava num mesmo golpe pureza e crueldade", só um homem diz, ou melhor, só um homem pensa isso. Isso sim é “colocar o efeito como agente e o agente como ente” :).

 
At 4:20 PM, Blogger Robby said...

Para os amigos que concordam com o comentário do Nilson, aí em cima, sugiro que visitem o blog da Beatriz que, aliás, tem como personagem principal a Gi, uma menina que estuda psicologia russa com... o Nilson!
O endereço é http://cidadedosonho.blogspot.com/
Não pensem que possa haver algo que uma mulher não diga... afinal, elas falam o tempo todo, devem ser capazes de dizer de tudo!

 
At 4:28 PM, Blogger Robby said...

Aliás, Nilson, não precisa pensar em nada seu positivista! Basta ver... a face da Docinho ali em cima!

 
At 12:46 AM, Anonymous Anonymous said...

Não arredo pé, sendo, ou não positivista, o que de fato não vem ao caso, não sou capaz de crer na autoria da frase, ao menos não em todas as suas letras: 'pureza', 'crueldade', 'menina', 'vinte e poucos anos' palavras que não aparecem juntas em uma frase pronunciada, escrita ou pensada por uma mulher. Meu problema é com as palavras exatas, outra sinonímia que conserve os sentidos é viável a meu ver. Mas, pensando bem, talvez haja uma circunstância possível para o emprego das palavras: o espelho, mas uma mulher frente a um espelho já não é mais uma mulher, é um reflexo. De qualquer modo não importam os fatos. Nem que houvesse gravações legítimas, laudos de engenheiros de som, a palavra do Papa, a rúbrica de Lênin, a chancela do Faraó, nem que eu testemunhasse o ocorrido, ainda assim não creria. Não se trata de fatos positivos, mas de verdades jurídicas, de um ato de fé: nenhum compromisso com a verdade, mas com o Direito. Não é direito uma mulher dizer isso, mesmo que seja a Docinho.

P.S.:A propósito não há nada de machismo na minha posição, antes que se levantem vozes militantes, há uma série de frases que um homem não seria capaz de dizer, ou pensar. (In)felizmente não consigo pensar ou dizer nenhuma delas para dar um exemplo.

 
At 12:02 AM, Anonymous Anonymous said...

Perdizes e Leblon???? Vc tá me provocando...

 

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